Acadêmicos indígenas em Roraima e a construção da interculturalidade indígena na universidade
Título: Acadêmicos indígenas em Roraima e a construção da interculturalidade indígena na universidade
Área do Conhecimento: Ciências Humanas
ISBN: 978-65-89929-43-7
DOI: 10.53268/BKF22010300
Publicado: 31/03/2022
Este livro é o resultado de minha pesquisa de doutorado em Antropologia, que concluí no ano de 2017, pela Universidade de Brasília (UnB). O tempo transcorrido de lá para cá mostrou que o tema da pesquisa foi uma escolha feliz, pois vem ganhando visibilidade e relevância dentro e fora do ambiente acadêmico e acompanha a ascensão de uma nova e estimulante fase do movimento indígena no Brasil, em que jovens acadêmicas/os assumem de vez o protagonismo das lutas históricas de seus povos.
O estado de Roraima, em que realizei o trabalho de campo, está entre as referências necessárias para qualquer pessoa interessada em conhecer os direitos indígenas, as lutas pela retomada do território ancestral e, especificamente neste caso, em como os povos indígenas vêm se apropriando da educação escolar, conquistando espaço nas universidades e construindo modos interculturais de manejar e transmitir conhecimentos, cruciais para lidar com os desafios contemporâneos. Além disso, devido a condições territoriais muito particulares, foi-me permitido acompanhar essas/es acadêmicas/os tanto em seus ambientes de estudo, em Boa Vista, quanto nas suas comunidades no Lavrado roraimense. Esses trajetos de mão dupla mostram que existe uma dimensão territorial e local na interculturalidade, à qual eu não teria acesso se apenas um desses polos fosse abordado.
A tragédia do garimpo nas terras indígenas – que vem acompanhada de efeitos igualmente trágicos, como as epidemias, o desmatamento e a violência, além do descaso do poder público – voltou a assolar com força os povos originários, destacando-se os efeitos deletérios sobre os Yanomami e Yekuana em Roraima, motivo de imagens e notícias que correm o país e o mundo, capazes de abalar até os mais indiferentes às causas indígenas. Tais problemas, no entanto, nunca deixaram de existir desde que essa região se tornou alvo da cobiça do Ocidente. Tampouco deixaram de ser objeto de preocupação das organizações indígenas do estado, que vêm denunciando esses crimes continuamente ao longo de décadas.
Este livro, que inicia com o monumento ao garimpeiro, na praça do Centro Cívico de Boa Vista, e encerra com a aula magna de Davi Kopenawa na Universidade Federal de Roraima (UFRR), não deixou de prestar a devida atenção ao assunto, embora tenha sido escrito antes dessa última onda de invasões e destruição. Acredito, entretanto, que sua principal contribuição seja ter acompanhado, em um momento bastante oportuno, um dos fenômenos mais revigorantes do Brasil contemporâneo, tanto para as universidades e as ciências quanto para os movimentos indígenas e a política.
Ao debaterem nas salas de aulas e nas assembleias comunitárias e ao desenvolverem suas próprias pesquisas e intervenções sobre assuntos como meio ambiente e saúde, alimentação e gestão territorial, língua e cultura, história e direitos sociais, as/os acadêmicas/os indígenas nos dão mostras de uma intensa diversidade étnica e epistêmica em constante reprodução e transformação. Novos e antigos saberes se juntam a projetos coletivos de autonomia e resistência, reforçando vínculos, comunidades e indivíduos, num ciclo virtuoso que beneficia não apenas os povos indígenas. São conhecimentos que, de certa forma, sempre estiveram ali, mas que escapavam à escala e aos sentidos das grandes instituições ocidentais. Graças aos esforços de mediação e tradução por parte dessas/es acadêmicas/os indígenas, e graças à sua atenção (no sentido, também, de cuidado), isso está começando a mudar.